quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Análise da poesia amorosa de Gregório de Matos e a dúvida sobre o racismo na poesia do Boca do Inferno

            Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro / CLA / Escola de Letras
           Cultura Literária no Período Colonial – Professor: Manoel Ricardo de Lima
                                             Aluna: Carolina Machado de Almeida
                                                   Data de entrega: 14/11/2013

 ANÁLISE DA POESIA AMOROSA DE GREGÓRIO DE MATOS 

                   e a dúvida sobre o racismo na poesia do Boca do Inferno


Na introdução do livro ‘Poemas Escolhidos Gregório de Matos’ organizado por José Miguel Wisnik, o organizador descreve a lírica-amorosa do Boca do Inferno como uma poesia que expõe paradoxos e os torna inseparáveis. Nada poderia definir melhor aquilo que se encontra tanto na poesia lírica-amorosa quanto na erótica-irônica de Gregório de Matos, principalmente quando se põe uma ao lado da outra.
 Ao mesmo tempo em que o poeta mostra sua face delicada e romântica na poesia amorosa, mostra-se ao contrário na poesia erótica: nestas, seus poemas para as mulheres vem também com palavras chulas que, embora fossem característica de Matos, não se encontram com frequência na poesia amorosa.
Nesta, ele mostra seu lado sensível e delicado, compara a mulher amada com elementos da natureza e até mesmo elementos com uma face religiosa, como no poema À mesma d. Ângela:

“Anjo no nome, Angélica na cara!
Isso é ser flor, e Anjo juntamente:
Ser Angélica flor, e Anjo florente,
Em quem, senão em vós, se uniformara:
Quem vira uma tal flor, que a não cortara,
De verde pé, da rama fluorescente;
E quem um Anjo vira tão luzente,
Que por seu Deus o não idolatrara?
Se pois como Anjo sois dos meus altares,
Fôreis o meu Custódio, e a minha guarda,
Livrara eu de diabólicos azares.
Mas vejo, que por bela, e por galharda,
Posto que os Anjos nunca dão pesares,
Sois Anjo, que me tenta, e não me guarda.”

 
 Em contraponto, talvez até para amenizar o uso de palavras pesadas para as mulheres, ainda que com toda a ousadia – positiva, vale ressaltar – de Gregório, sua poesia também é muito rica em suas metáforas.  Para exemplificar o uso de tal linguagem, eis um trecho de um poema feito para algumas freiras que questionaram o poeta sobre a definição de priapo. Priapo é o deus grego da fertilidade e sua imagem é representada com um homem idoso e seu órgão genital ereto.

“Quem seu preço não entende
não dará por ele nada,
é como cobra enroscada
que em aquecendo se estende:
é círio, quando se acende,
é relógio, que não mente,
é pepino de semente,
tem cano como funil,
é pau para tamboril,
bate os couros lindamente.”

 Muitos estudiosos dos poemas de Gregório de Matos chamam atenção para o fato da diferença de tratamento dele para/com as senhoras brancas e negras. Os comentários feitos acima sobre o uso de um vocabulário vulgar mesmo com as senhoras acentua-se quando o poeta está se dirigindo a mulheres negras. Estas parecem ser unicamente um objeto de desejo. A partir daí especula-se que por despertar apenas um prazer carnal no poeta, são tratadas realmente como objetos, como “coisas”. Ariano Suassuna, autor de O Auto da Compadecida, conterrâneo de Gregório de Matos, declarou-se infeliz ao reconhecer o racismo em Gregório de Matos. O exemplo tomado é um poema em que ele joga uma praga contra uma feira, e esta praga seria que dela nascesse um filho negro.
  

                                          “Assim como isto é verdade,
que pelo vosso conselho
perdi eu o meu vermelho,
percai vós a virgindade:
que vo-la arrebate um frade;
mas isto que praga é?
praza ao demo, que um cobé
vos plante tal mangará,
que parais um Paiaiá,
mais negro do que um Guiné.”



 Especulações à parte e mesmo com tantas faces de um só poeta, do tanto que perdeu-se e achou-se da obra do Boca do Inferno, podemos ficar com a brava ousadia para a época que desafiava todos os níveis: desde a linguagem vulgar ao enfrentamento à Igreja Católica e às autoridades. 

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