quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Poesia Lírico Romântica de Gregório de Matos

Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
Escola de Letras
Cultura Literária no Período Colonial
Prof. Manoel Ricardo de Lima
Luana Mendes



Poesia Lírico Romântica de Gregório de Matos



A MESMA D. ÂNGELA


“Anjo no nome, Angélica na cara!
Isso é ser flor, e Anjo juntamente:
Ser Angélica flor, e Anjo florente,
Em quem, senão em vós, se uniformara:
Quem vira uma tal flor, que a não cortara,
De verde pé, da rama fluorescente;
E quem um Anjo vira tão luzente,
Que por seu Deus o não idolatrara?
Se pois como Anjo sois dos meus altares,
Fôreis o meu Custódio, e a minha guarda,
Livrara eu de diabólicos azares.
Mas vejo, que por bela, e por galharda,
Posto que os Anjos nunca dão pesares,
Sois Anjo, que me tenta, e não me guarda.”



  A poesia lírico-amorosa de Gregório de Matos é fortemente marcada pelo contraste e o choque dos opostos, característica do Barroco. Essa visão dualista aparece na figura da mulher desejada, representando uma espécie de "anjo-demônio", ou seja, quando ela aparece como um ser angelical, ela também terá uma parte demoníaca, reforçando a ideia do pecado. 

  Ora a mulher aparece em seus poemas como ideal, espiritualizada e platônica, ora de maneira erótica. Dessa forma, sua poesia é construída em torno de contradições e pares de opostos. Além disso, a mulher é retratada como fonte de prazer e sofrimento.

  Compara-se com os sonetos de Camões a atitude contemplativa e o amor elevado. Neste poema principalmente, a mulher é vista tanto de modo espiritualizado, quanto como objeto de desejo carnal. O tema central é o caráter contraditório dos sentimentos do poeta pela mulher, que é simultaneamente e objeto do desejo (flor),  anjo (metáfora da pureza) e símbolo da elevação espiritual.A consciência da finitude do tempo leva à necessidade de  prática imediata dos prazeres. As incertezas da vida levam o poeta a viver intensamente o presente.

  A lírica-amorosa de Gregório abrange muitos temas, entre eles a mais pura idealização do amor, a exploração da psicologia amorosa e frequentemente um realismo irônico.
Em sua produção lírica, Gregório de Matos se mostra um poeta angustiado em relação à vida, à religião e ao amor. Na poesia lírico-amorosa, o poeta revela sua amada, uma mulher bela que é constantemente comparada aos elementos da natureza. Além disso, ao mesmo tempo que o amor desperta os desejos corporais, o poeta é dominado pela culpa e pela angústia do pecado.

  O soneto é marcado pelo aspecto Cultista, que se desenvolve pelo jogo de palavras:
 “Ângela” = “Angélica” = “Anjo”, “flor” = “florente”.

  A contradição ente o amar e o querer se apresenta nos versos finais:
“Sois Anjo, que me tenta, e não me guarda.”





terça-feira, 19 de novembro de 2013

As mulatas de Guerra - breve análise sobre as relações envolvendo mulatas na obra de Gregório de Matos

AS MULATAS DE GUERRA

Bruno Silva 


Esse trabalho começou como uma análise do poema sobre a mulata Vicência. Porém, lendo outros poemas de Gregório de Matos e percebendo a constante presença de mulatas, resolvi analisar como essas mulheres mulatas são tratadas – ou mal tratadas. Para isso faço uso de outros poemas, além de “À caridade com que esta mesma Vicência agasalhava três amantes”. São eles: “Que fez o autor a uma mulata que chamam Julu” e “À mesma Dona ÂngelaOs dois primeiros são sobre mulatas e o último é sobre uma mulher branca, fidalga. Veremos o significante contraste entre o que é escrito sobre as mestiças e o que é escrito sobre a senhora de cara pálida.
O poema sobre a mulata Vicência satiriza a dita cuja por causa de seus modos imorais, sua promiscuidade. É uma mulher que ama três homens ao mesmo tempo. Esse “amor” não se dá de forma romântica, no entanto. É um amor carnal, carregado de luxúria. Um amor considerado “de mulata”. Na poesia, Gregório trata esse amor de maneira irônica, pedindo a Vicência que venda certo produto a ele, mas de graça, já que ela é tão cheia de amor para dar. No segundo poema, ele fala sobre Julu. Gregório a presenteia com títulos como: Rainha das mulatas e Deusa das putas. Depois disso, faz um elogio chamando a mulata de airosa (gentil, honrável) linda, galharda (de presença agradável, elegante) e folgazona (jovial). Em seguida, chama a coitada de cagona. No último poema, Gregório escreveu sobre Dona Ângela, uma mulher de honra, de família reconhecida, branca, a musa de Gregório em mais de um poema, e branca. Enquanto Vicência é uma puta e Julu é uma puta de maior cacife, Dona Ângela é uma anja e uma flor.
Quando trata das mulatas,Gregório é descortês e grosseiro, usa uma linguagem escrachada e termos chulos para agredir e censurar. Já quando trata da mulher branca, é gentil, decente e recatado. A forma como elas eram  nas obras literárias é um reflexo da forma como essas mulheres eram tratadas na realidade.
Para as pessoas do período colonial havia uma hierarquia de traços positivos e uma de negativos que devia ser seguida religiosamente. Elas se configuravam da seguinte forma:
A positiva - branco > fidalgo > católico > livre.
A negativa - não-branco > não-católico > escravo > mulher.
Como a mulher é o objeto deste trabalho, focaremos na sua relação com o resto da sociedade. Mais especificamente, as diferenças nas relações entre a mulher mulata e a sociedade e a mulher branca e a sociedade.
Antes de tudo, sendo mulheres, ambas sofriam preconceitos e possuíam um estereótipo que ditava todas as interações que as envolviam. Os homens brancos eram superiores à todas as mulheres da sociedade. Porém, tinham a obrigação de respeitar as mulheres brancas “de família”. Já sobre a mulher negra, é um objeto e o homem tem plenos diretos sobre esse objeto, portanto, pode fazer o que quiser com ele. Um provérbio evocado por Gilberto Freyre dizia o seguinte: “A negra na cozinha, a mulata na cama e a branca no altar”.
A mulata, que é fruto da relação entre senhores e escravas, se torna o símbolo sexual da época, o fruto proibido, que tenta e corrompe os homens brancos, que ficavam divididos entre o repúdio e o desejo que sentiam. As mulatas eram as mulheres frutas e panicats de hoje em dia. Boas se o indivíduo quer pôr o capitão caralho para trabalhar? Sim. Para casamento? Nem tanto. Além disso, as mulatas ganharam a fama de possuir um apetite sexual insaciável, eram “esfaimadas” como disse Gregório no poema “A Luiza Sapata querendo, que o amigo lhe desse quatro investidas duas de dia, e duas de noite”. Este boato atiçava ainda mais o imaginário dos fidalgos.
 Esse é o estereótipo que toda mulata carregava e era obrigada a aceitar. Um estereótipo que servia para justificar desejo que elas despertavam nos senhores, que as usavam para afirmar sua virilidade. As mulatas eram para ser usadas como seus donos quisessem. As sátiras de Gregório sobre Vicência, que aparece num outro poema em que é chamada de fedorenta, e Julu, descrevem a forma como as mulatas eram vistas: inferiores, sujas e lascivas.
A mulher branca, por sua vez, era um ensino de pureza, castidade e moral. Devia possuir gestos e traços angelicais, como Dona Ângela Meneses. Não era vista como um objeto sexual, ela despertava sentimentos puros, mais românticos, provocava reflexões profundas sobre o amor e estava em um nível espiritual superior. Eram mulheres para casar e constituir família.
A hostilidade de Gregório aos negros e mulatos, principalmente a estes últimos, é constante em sua obra. Ele viveu em uma época de indivíduos machistas, racistas e (falsos) moralistas. Na época, se achar superior as mulheres e aos negros e seus descendentes era algo comum, claro. Adequado, até. Portanto, que as produções literárias de Gregório possuam um caráter de rejeição a certos grupos, não é algo chocante. Mulatos sofriam mais preconceito do que negros, provavelmente porque eram gerados do pecado, uma vez que o sexo naquele tempo só devia ocorrer para procriação, e só podia ocorrer dentro do casamento. Eram bastardos que lembravam a sociedade de relações que não deviam acontecer, mas que aconteciam o tempo todo. Eles tornavam-se uma ponte entre dois povos. Alguns deles até recebiam proteção da casa grande, onde assimilavam modos e educação dos brancos, às vezes ganhavam altas posições na sociedade. Guerra era um porta-voz do descontentamento que muitos da sociedade sentiam em relação aos mulatos. Mas a hostilidade de Gregório andava junto com o seu desejo pelas mulatas. Em seu poema sobre uma mulata chamada Annica, ele deixa claro que sente um enorme tesão por ela. Diz que “a anca fendida de Annica lhe deu mil tentações de fodê-la”.
Gregório de Matos levou os negros, os mulatos, os índios, enfim, o povo colonizado, para as obras literárias. Do seu ponto de vista, escreveu sobre aspectos pessoais e também sobre aspectos culturais desses povos, incluindo todos na história do país. Seus textos nos mostram como foi construída essa nação.Ainda que seus poemas sobre esses grupos carreguem o preconceito característico da sociedade de sua época, eles possuem uma importância enorme, pois são documentos valiosos que nos contam como se organizava a sociedade setecentista, politicamente e economicamente, além de servirem para qualquer análise das relações inter-raciais, muito controversas, do período colonial.














BIBLIOGRAFIA:    

CORRÊA, Mariza. Sobre a invenção da mulata. Publicado em Cadernos Pagu (6-7) 1996: pp.35-50.

COSTA, Iraneide Santos. A mulher negra na obra de Gregório de Mattos.

HANCIAU, Nubia. A representação da mulata na literatura brasileira: estereótipo e preconceito. Publicado em Cadernos Literários, Rio Grande: Editora da FURG, vol. 7, 2002, p. 57 a 64.

PERES, Fernando da Rocha. Negros e Mulatos em Gregório de Matos, 1967.

SOUZA, Mariely Zambianco Soares. Gregório De Matos: Uma análise da Bahia e da América Portuguesa por meio de suas poesias. Publicado em Revista Trilhas da História. Três Lagoas, v.2, nº4 jan-jun 2013. p.234-248.

TOPA, Francisco. Edição Crítica da Obra Poética de Gregório de Matos – Volume II Edição dos Sonetos, 1999.




sábado, 16 de novembro de 2013

                     Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro

 Cultura Literária no Período Colonial – Professor: Manoel Ricardo de Lima

                                    Aluna: Carolina Vik        

Gregório de Matos e sua poesia erótica 


“Este se chama Monarca,
ou Semideus se nomeia,
cujo céu são esperanças,
cujo inferno são ausências.”
“E isto é Amor? é um corno.
Isto é Cupido? má peça.
Aconselho que o não comprem
ainda que lhe achem venda.”
“Um antídoto, que mata,
doce veneno, que enleia,
uma discrição, sem siso,
uma loucura discreta.”
“Uma prisão toda livre,
uma liberdade presa,
desvelo com mil descansos,
descanso com mil desvelos.”
“É este, o que chupa, e tira,
vida, saúde e fazenda,
e se hemos falar verdade
é hoje o Amor desta era.
O Amor é finalmente
um embaraço de pernas,
uma união de barrigas,
um breve tremor de artérias.

Uma confusão de bocas,
uma batalha de veias,
um reboliço de ancas,
quem diz outra coisa, é besta.”
 

  No poema “Definição do amor – Romance”, Gregório “dessacraliza” o amor, rebaixando, de certa forma, aquele amor clássico e idealizado ao plano corporal, mesclando sensualismo e lirismo. Utilizava versos curtos, visando uma aproximação com a linguagem popular de forma espontânea.

  Quando classificamos esta poesia como lírico-amorosa, relacionamos a ela uma construção em torno de contradições e pares de opostos, reforçando estas contradições por meio de figuras de linguagem(paradoxos, aliterações e assonâncias).
      Relacionando a poesia com o erotismo, o poeta utiliza uma linguagem mais direta e explícita, onde o amor carnal aparece como forma de libertação do corpo e do indivíduo. Se de um lado existe a obra satírica de gregório, onde ele critica sem nenhum pudor a sociedade da época, de outro há uma poesia amorosa e erótica.

    Não se tratava de uma estimulação dos sentidos e sim de um protesto contra o sistema moral, contra as concepções dominantes e dogmáticas de amor e de sexo e contra a própria sociedade da época.

   No seu momento mais vulgar, gregório se torna de certa forma cômico, tanto pela variedade de palavrões quanto pelas descrições desbocadas dos atos e órgãos sexuais em sua tentativa de descrever o amor. Não apresentando qualquer requinte voluptuoso, tratando o amor físico de forma é agressiva e galhofeira.

    Um fato interessante, é que enquanto a dama pintada por Camões inspira amor por sua beleza, de ordem ideal, moral, sem que esteja presente a sensualidade, a mulher na poesia barroca enfatiza os aspectos sensuais, fazendo com que os atributos tradicionais de beleza (branca, loira, olhos claros) vão sendo substituídos pelas mulatas e seus cabelos encaracolados. O que podemos relacionar com um trecho de “Casa grande & Senzala” onde Gilberto Freyre compartilha um ditado corrente no Brasil patriarcal a respeito das mulheres, onde os homens diziam que “Branca para casar, mulata para foder e negra para trabalhar”.



quinta-feira, 14 de novembro de 2013

      Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro - UNIRIO

 Escola de Letras

 Cultura Literária no período colonial brasileiro - Professor: Dr. Manoel Ricardo de Lima

 Nome: Sara Sabino



Na obra de Gregório de Matos, chamado “boca do inferno’’, encontramos alguns diálogos com as obras de Luís de Camões. Não trata-se de plágio, mas de intertextualidade entre as obras. Haroldo de Campos, diz que, “Escrever na América Latina, significa reescrever, remastigar”



- Luís de Camões
SETE ANOS DE PASTOR JACÓ SERVIA
Labão, pai de Raquel, serrana bela;
Mas não servia ao pai, servia a ela,
Que a ela só por prêmio pretendia.
Os dias, na esperança de um só dia,
Passava, contentando-se com vê-la:
Porém o pai, usando de cautela,
Em lugar de Raquel lhe deu a Lia.
Vendo o triste pastor que com enganos
Assi lhe era negada a sua pastora,
Como se a não tivera merecida,
Começou a servir outros sete anos,
Dizendo: - Mais servira, se não fora
Pera tão longo amor tão curta vida.[..]

- Gregório de Matos
SETE ANOS A NOBREZA DA BAHIA
Serviu a uma pastora indiana bela
Porém serviu a Índia, e não a ela,
Que à Índia só por prêmio pretendia.
Mil dias, na esperança de um só dia,
Passava, contentando-se com vê-la:
Mas Frei Tomás, usando de cautela,
Deu-lhe o vilão, quitou-lhe a fidalguia.
Vendo o Brasil que por tão sujos modos
Se lhe usurpara a sua Dona Elvira
Quase a golpes de um maço e de uma golva:
Logo se arrependeram de amar todos
E qualquer mais amara, se não fora
Para tão limpo amor tão suja noiva.
Podemos analisar os seguintes poemas:


Referência bíblica

  Camões em seu poema, usa como base o texto bíblico que encontra-se em Gênesis 28 e 29, que diz respeito ao episodio em que Jacó ordena que Isaque vá para terra de seu avó Betuel e seu tio Labão e casar-se com alguém dessa terra. Chegando á casa de seu tio Labão, que tinha duas filhas Raquel e Léia. Isaque ficou encantado por Raquel que era a filha mais nova de seu tio. Então propôs sete anos de trabalho para casar-se com Raquel. Na noite de casamento, Labão deu sua filha Léia para Isaque ao invés de Raquel. Isaque teve relações com Léia. Na manhã seguinte ele percebeu á troca e foi questionar a Labão. Ele porém disse que naquela terra a filha mais velha deveria casar–se primeiro. Então propôs mais sete anos de trabalho a Isaque em troca de Raquel. Ele assim fez, e no final dos sete anos casou-se com Raquel.
  

Análise Comparativa

Não é apenas por Raquel que Jacó servia: servia especialmente por ele próprio, pois sua integridade só se explicaria na perenidade de um sentimento maior que a própria vontade.
   Labão representa a astúcia, o indivíduo para quem a coerência do pretendente a Raquel não contava, nem contava o sacrifício que ele fazia para merecer-lhe retribuição percebe-se a existência de um conflito, pois as posições estão perenemente marcadas: o amor de um e a “cautela” de outro.
   No poema de Gregório de Matos, os dois versos iniciais revelam o diálogo  com de Camões, descrevendo as circunstâncias de uma corte amorosa que envolvia uma fidalga , oriunda da Índia, a qual passa a ser desejada pelos homens mais ilustre da sociedade baiana do século XVII ( Anna Maria era uma donzela nobre, e rica, que veio da Índia sendo solicitada dos melhores da Terra ). Esses versos iniciais apontam para uma analogia com o serviço amoroso característico da conquista de Raquel por Jacó no texto de Camões.
   O serviço amoroso é relevado, através da relativização e diminuição da conquista amorosa ambicionada pelos nobres baianos, pois a estrangeira não era verdadeiramente amada por aqueles da corte.  Os candidatos da dama eram  apaixonados pelas riquezas que essa união poderia construir. Porque ter como prêmio as Índia, significava ter acesso ao vantajoso comércio com o Oriente que era um dos principais acessos á riqueza para o império Português.

   No terceiro e quarto versos, uma mudança, descrevendo a malícia de um frade, Frei Thomás, o qual pôs fim à disputa. O poema destaca a sagacidade semelhante á Labão revela a astúcia utilizado pelo religioso para dispensar os conquistadores: Casou a rica com um vilão, com um homem de baixa condição social (Deu-lhe um vilão e quitou-lhe a fidalguia). Isso ocorre porque nesse período , estabeleceram –se critérios sociais. Esse acordo refere-se ao principio de ‘’la pureza de la sangue’’. Esses princípios impunha limites á proximidade entre as classes sociais: ’’sangue puro’’ (Que podiam orgulhar-se de ter ascendência fidalga, cristã e branca) , o matrimônio de um aristocrata com alguém de condição social considerada inferior implicava o rebaixamento da condição social e, conseqüentemente, o banimento do extrato social superior.
   A Bahia aparece com um tom nostálgico, e o poeta critica a degradação moral e econômico no qual a cidade se encontra no momento. Os ladrões e oportunistas (comerciantes) são os detentores do poder político e econômico, enquanto os trabalhadores honestos encontram-se na pobreza.

Confronto com o poema ‘’Os versos que me pedis’’

-No poema ‘’Os versos que me pedis ‘’dedicadas à bela Marianna provavelmente é uma das muitas mulheres às quais o poeta declarou o seu amor sob a forma de versos, encontra-se, também, o tema do amor persistente de Jacó por Raquel.
- Gregório revela  o processo de corte á Marianna pelo fato de ter sido ludibriado pela tia da amada (e a mim não pior me vai, / se não me engana um pai, / veio a enganar-me uma tia.) cuja arte de enganar aproxima-se do procedimento utilizado por Labão em relação à Jacó: enganou-me de malvada / tanto pior que Labão.)


- Uma parte do poema de Gregório de Matos: Os versos que me pedis.



Os versos que me pedis,
podendo-os mandar formar,
que vós por me não mandar,
não mandarei dois ceitis:
como sem assunto os fiz,
pois vós a vosso contento,
não destes o pensamento
os rasgues, por ser melhor
assunto do meu amor,
que o vosso contentamento.



Por sete anos de Pastor
serviu Jacó a Raquel,
eu servi a uma cruel,
mais de sete anos de amor:
a Jacó lhe foi traidor
Labão: cuja aleivosia
                                   por Raquel lhe entregou Lia,
e a mim não pior me vai,
se não me engana um pai,
veio a enganar-me uma tia.[..]

- Bibliografia: Poesias Selecionadas - FTD



Análise da poesia amorosa de Gregório de Matos e a dúvida sobre o racismo na poesia do Boca do Inferno

            Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro / CLA / Escola de Letras
           Cultura Literária no Período Colonial – Professor: Manoel Ricardo de Lima
                                             Aluna: Carolina Machado de Almeida
                                                   Data de entrega: 14/11/2013

 ANÁLISE DA POESIA AMOROSA DE GREGÓRIO DE MATOS 

                   e a dúvida sobre o racismo na poesia do Boca do Inferno


Na introdução do livro ‘Poemas Escolhidos Gregório de Matos’ organizado por José Miguel Wisnik, o organizador descreve a lírica-amorosa do Boca do Inferno como uma poesia que expõe paradoxos e os torna inseparáveis. Nada poderia definir melhor aquilo que se encontra tanto na poesia lírica-amorosa quanto na erótica-irônica de Gregório de Matos, principalmente quando se põe uma ao lado da outra.
 Ao mesmo tempo em que o poeta mostra sua face delicada e romântica na poesia amorosa, mostra-se ao contrário na poesia erótica: nestas, seus poemas para as mulheres vem também com palavras chulas que, embora fossem característica de Matos, não se encontram com frequência na poesia amorosa.
Nesta, ele mostra seu lado sensível e delicado, compara a mulher amada com elementos da natureza e até mesmo elementos com uma face religiosa, como no poema À mesma d. Ângela:

“Anjo no nome, Angélica na cara!
Isso é ser flor, e Anjo juntamente:
Ser Angélica flor, e Anjo florente,
Em quem, senão em vós, se uniformara:
Quem vira uma tal flor, que a não cortara,
De verde pé, da rama fluorescente;
E quem um Anjo vira tão luzente,
Que por seu Deus o não idolatrara?
Se pois como Anjo sois dos meus altares,
Fôreis o meu Custódio, e a minha guarda,
Livrara eu de diabólicos azares.
Mas vejo, que por bela, e por galharda,
Posto que os Anjos nunca dão pesares,
Sois Anjo, que me tenta, e não me guarda.”

 
 Em contraponto, talvez até para amenizar o uso de palavras pesadas para as mulheres, ainda que com toda a ousadia – positiva, vale ressaltar – de Gregório, sua poesia também é muito rica em suas metáforas.  Para exemplificar o uso de tal linguagem, eis um trecho de um poema feito para algumas freiras que questionaram o poeta sobre a definição de priapo. Priapo é o deus grego da fertilidade e sua imagem é representada com um homem idoso e seu órgão genital ereto.

“Quem seu preço não entende
não dará por ele nada,
é como cobra enroscada
que em aquecendo se estende:
é círio, quando se acende,
é relógio, que não mente,
é pepino de semente,
tem cano como funil,
é pau para tamboril,
bate os couros lindamente.”

 Muitos estudiosos dos poemas de Gregório de Matos chamam atenção para o fato da diferença de tratamento dele para/com as senhoras brancas e negras. Os comentários feitos acima sobre o uso de um vocabulário vulgar mesmo com as senhoras acentua-se quando o poeta está se dirigindo a mulheres negras. Estas parecem ser unicamente um objeto de desejo. A partir daí especula-se que por despertar apenas um prazer carnal no poeta, são tratadas realmente como objetos, como “coisas”. Ariano Suassuna, autor de O Auto da Compadecida, conterrâneo de Gregório de Matos, declarou-se infeliz ao reconhecer o racismo em Gregório de Matos. O exemplo tomado é um poema em que ele joga uma praga contra uma feira, e esta praga seria que dela nascesse um filho negro.
  

                                          “Assim como isto é verdade,
que pelo vosso conselho
perdi eu o meu vermelho,
percai vós a virgindade:
que vo-la arrebate um frade;
mas isto que praga é?
praza ao demo, que um cobé
vos plante tal mangará,
que parais um Paiaiá,
mais negro do que um Guiné.”



 Especulações à parte e mesmo com tantas faces de um só poeta, do tanto que perdeu-se e achou-se da obra do Boca do Inferno, podemos ficar com a brava ousadia para a época que desafiava todos os níveis: desde a linguagem vulgar ao enfrentamento à Igreja Católica e às autoridades. 

terça-feira, 12 de novembro de 2013


Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro

Cultura Literária no Período Colonial

Professor: Manoel Ricardo de Lima

Aluna: Julia Pinto Gamboa
 

Gregório de Matos e a sátira 

Uma das principais características da poesia de Gregório de Matos é o uso da sátira. A sátira refere-se à criação livre e irônica contra organizações e hábitos, ridicularizava os vícios e as imperfeições. Gregório utilizava essa forma de expressão poética para criticar a sociedade de seu tempo, a situação econômica da Bahia e não poupava nem a aristocracia, nem o clero e nem as mulheres. 

O governador da Bahia, Antonio Luis da Câmara Coutinho foi, por exemplo, assim retratado:

“Nariz de embono,
com tal sacada,
que entra na escada
duas horas primeiro
que seu dono.”

 Além dessa crítica engraçada e maldosa, Gregório também criticava os vícios da sociedade, principalmente da sua maior personagem, a cidade da Bahia:

 “Senhora Dona Bahia,
nobre e opulenta cidade,
madrasta dos naturais,
e dos estrangeiros madre.” 

Gregório tinha preferência pelo soneto e pelo uso dos decassílabos, ambos de influência clássica. Porém ele desconstrói o aspecto clássico utilizando um português insólito com influências do português de Portugal, do espanhol, aliado ao uso de termos léxicos inusitados, provindos muitas vezes de línguas africanas e/ou indígenas.  
 
“Um paiaiá de Monai, bonzo brama
Primaz da cafraria do Pegu,
quem sem ser do Pequim, por ser do Acu,
quer ser filho do sol, nascendo cá.
(...)”  

Gregório constitui na Bahia a expressão mais forte da poesia Barroca da Colônia. Essa época foi marcada pela contradição e tensão, pelo conflito e dualismo: mistura de religiosidade e sensualismo, de misticismo e erotismo, de valores terrenos e carnais e de aspirações espirituais. A sátira de Gregório não é revolucionária ou libertadora, mas debochada e denunciadora dos maus costumes e valores pecaminosos. 

Atua no sentido de manter a estrutura social, política e religiosa, fato comum a todos os grandes autores do Barroco, com elementos fortemente arraigados na psicologia comum da época, de fundamento religioso-moral.

Triste Bahia! Ó quão dessemelhante
Estás e estou do nosso antigo estado!
Pobre te vejo a ti, tu a mi empenhado,
Rica te vi eu já, tu a mi abundante.

A ti trocou-te a máquina mercante,
Que em tua larga barra tem entrado,
A mim foi-me trocando, e tem trocado,
Tanto negócio e tanto negociante.

Deste em dar tanto açúcar excelente
Pelas drogas inúteis, que abelhuda
Simples aceitas do sagaz Brichote.

Oh se quisera Deus que de repente
Um dia amanheceras tão sisuda
Que fora de algodão o teu capote!”
 

O poema apresenta a visão subjetiva de Gregório e o modo como ele dirige-se à Bahia como se estivesse se dirigindo à alguém. Ele retrata o período em que viveu, a época da monocultura da cana-de-açúcar, a época em que a máquina mercante, ou seja, os navios estrangeiros levavam a maior fonte de riqueza brasileira, o açúcar. Gregório pretende com esse poema denunciar as trocas que estão ocorrendo na Bahia (madrasta dos nativos e madre dos estrangeiros, por exemplo), com o objetivo de fazer com que o receptor (os baianos) compartilhem de sua ideologia nativista.

Problemáticas em Gregório de Mattos



Cultura Literária no Período Colonial Brasileiro
Aluno: Marco Antonio Notaroberto da Silva  -  Professor: Manoel de Lima
Escola de Letras – UNIRIO


Problemáticas em Gregório de Mattos

O grande problema de Gregório de Mattos começa em ser colono. Ele denuncia a articulação política imposta pelos colonizadores. O teor satírico dos versos, voltado ao agente colonizador, exprime por um lado a consciência da exploração dos colonos e por outro a defesa dos brasileiros em posição servil. Gregório se põe ao lado dos conterrâneos.
Este trecho de Juízo anatômico dos achaques que padecia o corpo da república em todos os membros e inteira definição do que em todos os tempos é a Bahia ilustra bem a necessidade que o poeta tinha de expor sua revolta com as corrupções de sua época:

Que falta nesta cidade?… Verdade.
Que mais por sua desonra?… Honra.
Falta mais que se lhe ponha?… Vergonha.

O demo a viver se exponha,
Por mais que a fama a exalta,
Numa cidade onde falta
Verdade, honra, vergonha.

Quem a pôs neste socrócio?… Negócio.
Quem causa tal perdição?… Ambição.
E no meio desta loucura?… Usura.

Notável desaventura
De um povo néscio e sandeu,
Que não sabe que perdeu
Negócio, ambição, usura.

Muitas vezes é usada a locução “pátria minha”em seus poemas, o que revela a forte ligação do poeta a sua terra natal. É o primeiro a expressar aliança afetiva e efetiva à América Portuguesa além de suas riquezas naturais. Traz à tona a força contestadora da crítica nacional. Gregório começa a discutir a nação mesmo antes dela se conceber como tal.
Vemos em sua obra a tentativa de se preservar um traço minêmico que não seja o do colonizador. Ele quer revelar tudo àquilo que a história oficial não revelaria. É uma atitude humana, sua poesia tem participação política em todos os sentidos. Há uma revolta clara ao discurso do colonizador se sobrepondo ao do colonizado. A colônia é absurda na concepção de Gregório e ele usa a sua poesia como afrontamento entre a ideia de comércio e mercadoria.

À CIDADE DA BAHIA

Triste Bahia! ó quão dessemelhante
Estás e estou do nosso antigo estado!
Pobre te vejo a ti, tu a mi empenhado,
Rica te vi eu já, tu a mi abundante.
A ti trocou-te a máquina mercante,
Que em tua larga barra tem entrado,
A mim foi-me trocando, e tem trocado,
Tanto negócio e tanto negociante.
Deste em dar tanto açúcar excelente,
Pelas drogas inúteis, que abelhuda,
Simples aceitas do sagaz Brichote.
Oh se quisera Deus, que de repente,
Um dia amanheceras tão sisuda
Que fôra de algodão o teu capote.

No poema À cidade da Bahia deparamos com um sujeito-lírico que lamenta a situação da Bahia em seu tempo. Ele se identifica com a cidade, que nesse caso é personificada, pois ambos compartilham os mesmos sentimentos de angústia. Pode se lê-lo como uma denúncia acerca das relações de negócio que se davam entre os cidadãos baianos.
Ele pede a Deus para que puna a cidade fazendo com que ela vista uma simples roupa de algodão, o que era trajado pelas pessoas de baixa condição social e pelos escravos.

Gregório de Mattos foi de fato o primeiro grande escritor autenticamente brasileiro, ao incorporar à sua produção não só temas, mas também uma linguagem já “brasileira”, proveniente dos inúmeros coloquialismos, gírias, tupinismos, africanismos e expressões populares correntes na Bahia do século XVII.  Para o poeta o primeiro elemento que devia ser contaminado era a língua. Esta é uma das grandes problemáticas de Gregório de Mattos, a antropofagia da língua, que vê-se  claramente neste trecho do poema  Aos mesmos Caramurus:

Há cousa como ver um Paiaiá
Mui prezado de ser Caramuru,
Descendente de sangue de Tatu,
Cujo torpe idioma é cobé pá.
A linha feminina é carimá
Moqueca, pititinga caruru
Mingau de puba, e vinho de caju
Pisado num pilão de Piraguá.
A masculina é um Aricobé
Cuja filha Cobé um branco Paí
Dormiu no promontório de Passé.
O Branco era um marau, que veio aqui,
Ela era uma Índia de Maré
Cobé pá, Aricobé, Cobé Paí.

O Boca do Inferno, sob estes aspectos, se apresenta como nosso primeiro grande intérprete; o tradutor cômico-poético das mazelas particulares e sociais, da mestiçagem mística e erótica, dos desejos, tormentos e prazeres. Das nossas contradições em geral.

- Bibliografia:
1) Rev. de Letras – No. 22 – Vol. 1 / 2 – jan./dez. 2000
2) Poesia.br – Azougue Editorial